Divirtam-se

Essa é a minha vida, sem nenhum exagero. Quer dizer, acho que é meio impossível falar da nossa vida sem exagero.
Esse é o meu dia-a-dia, sempre que eu sinto algum tipo de emoção intensa eu escrevo aqui. Só que eu posso tê-las sempre ou raramente.
Então aí vai, se divirtam!

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Ligeiramente Pálida

Não. Eu dizia e dizia, mas não parecia importar muito. Seus olhos azuis ainda continuavam azuis e os nossos sentimentos não haviam mudado. Ainda éramos os mesmos. Nós, sem nada diferente. Exceto pelo fato de ela estar ligeiramente pálida.
-O que há de errado comigo? – Marta continuava a perguntar – Por que me olha assim?
Não sabia responder. Apesar de tudo ser o mesmo, algo nela me parecia estranho. Nada familiar, fúnebre. Sua palidez era o que menos importava. O brilho de seus olhos desaparecera e seus doces lábios estavam finos e ressecados como nunca estiveram antes. Seus cabelos avermelhados estavam despenteados e desgrenhados. Parecia malcuidada, mas isso também não importava muito.
-Me responda, o que há de errado comigo? – Sua feição fez-se de choro, mas não brotou lágrima alguma de seus olhos. Continuavam frios, em antítese a seu rosto inteiro, que, mesmo pálido, simulava um choro.
-Eu não sei, Marta. Mas há algo diferente. – Tentei me lembrar de quando a vira pela última vez. Um dia antes. Estava cheia de vida, mais do que nunca. Que boa a viagem tinha sido! Mas não parecia se contentar. Queria mais, mais e mais. Queria se divertir.
Imagens do acidente pipocaram em minha cabeça. Lembrei-me. Minutos antes, quando caíamos do barranco. Como doía! Olhei para o braço e vi o sangue brotando, frio e veloz. Olhei ao redor.
Estávamos nas areias da praia. Como o meu braço doía, Deus! Olhei para ela e pude ver todo o cenário. Marta me encarava, fria e chorosa, onde o mar começava a subir. Era noite, e como estava muito frio, tive vontade de tirá-la de lá. Não consegui, estava preso.
Ela olhou um pouco adiante de mim e então sua feição viajou de angústia para temor. Seus olhos, escancarados e áridos, esbugalhavam-se, enquanto os lábios finos comprimiam-se em um incômodo e agonizante trincar de dentes. Estava apavorada.
Olhei na direção que ela olhava, pela primeira vez. Não, já tinha visto tudo isso antes. Acho que tinha me distraído com a curiosidade sobre o que havia mudado e me esqueci do que tinha acontecido. Que tragédia, que lástima!
Foquei-me no banco do passageiro. Lá estava, também, Marta. Os cabelos avermelhados desgrenhados e umedecidos em um líquido vermelho; os olhos abertos, embora longínquos e sem um fio de vida; os lábios trincados e levemente abertos, mostrando os dentes impecavelmente escovados, brancos e brilhantes. Mas ela não estava realmente lá.
Olhei de novo para a outra direção. Lá estava Marta. Os olhos azuis agora reluziam à luz da lua cheia e os cabelos pareciam recém-escovados. Os lábios brilhavam em um sorriso brando. Suas vestes, antes puídas e manchadas de sangue, agora eram de uma seda branca e leve que batia insistentemente na pele macia e clara como neve. E por fim, sumiu.
Marta sumiu, dando origem a uma luz e a uma névoa que carregava consigo um sentimento de paz e realização quase tangíveis. Foi aí que senti. Eu estava sozinho, apenas com o corpo sem vida da antiga Marta ao meu lado. Aquela para a qual eu não ousaria olhar, por medo de que essa visão apagasse de minha memória a lembrança de que eu acabara de adquirir.
Não. Eu dizia e dizia, mas não parecia importar muito. Seus olhos azuis ainda continuavam azuis e os nossos sentimentos não haviam mudado. Ainda éramos os mesmos. Nós, sem nada diferente. Exceto pelo fato de ela estar ligeiramente pálida.

Um comentário:

  1. Adorei!
    Como você escreve bem! Cada vez melhor!
    Parabéns! Sucesso sempre!

    Beijo de saudade...

    Mamãe

    ResponderExcluir